"Diversidade é jornada, não checklist", diz Maite Schneider, co-fundadora da TransEmpregos

Conheça Maite Schneider e o panorama das empresas brasileiras em relação à diversidade, equidade e inclusão de pessoas trans

Flash

"Este é um ano de aumento de consciência." É assim que Maite Schneider, consultora de diversidade, equidade e inclusão, define o atual cenário.

O relatório "Diversity, Equity and Inclusion Lighthouses 2023", da McKinsey, corrobora essa ideia. De acordo com o estudo, em 2020, os gastos com políticas afirmativas direcionadas à diversidade, equidade e inclusão (DEI) foram de cerca de U$ 7,5 bilhões. Para 2026, a projeção é de que o investimento suba para U$ 15,4 bi.

Mulher trans, Maite Schneider sentiu na pele a rejeição de mais de 20 escritórios quando tentava um estágio e decidiu fazer da própria história uma motivação para transformar o status quo.

Co-fundadora da TransEmpregos, banco de vagas para pessoas trans, e da Integra, consultoria em inclusão e diversidade, ela falou ao blog da Flash sobre a maturidade das empresas brasileiras com relação ao tema e sobre os desafios, as oportunidades e as tendências que vem observando.

Como você percebeu que havia a necessidade de um trabalho como o que faz na Transempregos e na Integra Diversidade?

A primeira faculdade em que entrei foi a de Direito, no final dos anos 1990. Fui buscar estágio em direito penal. Morava em Curitiba, procurei os 20 melhores escritórios e nenhum me deu oportunidade.

Entrei em um período de grande depressão. Tranquei a faculdade e levei três anos para me recuperar. Eu não queria mais saber de universo corporativo, então o empreendedorismo me salvou. Em Curitiba, passei a trabalhar muito com militância, conheci muita gente e compreendi as demandas do movimento. Até que a Márcia Rocha (empresária, advogada e atual sócia) falou: "Não adianta a gente só pensar em educação e não pensar em empregabilidade".

Foi aí que surgiu a Transempregos?

A Márcia é a mente idealizadora da TransEmpregos. No começo eu não botava muita fé. E, por uma dessas alegres coincidências da vida, em 2013 nasceu o Fórum de Empresas LGBT e começou essa parceria entre nós. Há sete anos, vim para São Paulo porque o projeto estava crescendo. No começo eu tinha esse rancor do universo corporativo, mas depois comecei a entender os trâmites. Dois anos depois, a Keyllen Nieto (antropóloga urbana) me convidou para fundar a Integra Diversidade, uma consultoria de diversidade e inclusão só com mulheres das mais variadas interseccionalidades, dos mais variados marcadores.

Quando falamos em diversidade e inclusão, estamos falando em uma mudança de cultura organizacional, certo?

Não acredito em diversidade e inclusão apenas como tema. Tem de estar na cultura organizacional, no DNA da empresa, nos valores e propósitos, senão não funciona. Infelizmente, em alguns lugares a diversidade é muito pontual. As pessoas não entendem como jornada, mas como checklist: palestra do Dia da Consciência Negra? Check. Palestra no Dia da Pessoa com Deficiência? Check. E não é isso.

É necessário que as pessoas se apropriem dessa temática. Isso é extremamente importante para que haja solidez, fluidez e constância. Senão a causa vai ficar na mão do CEO. Um acha "mimimi", outro considera importante. Daí vão ter sempre aquelas empresas que dão uma acelerada e freiam, sem um fluxo contínuo. Isso é ruim.

Quando a gente pensa em uma empresa onde há inclusão e diversidade, na prática, do que estamos falando?

Falar em diversidade é falar de pessoas. Empresas querem os melhores talentos por perto. Então, estamos falando de atrair verdadeiramente os melhores talentos, melhorando os filtros de seleção e recrutamento e revendo os processos internos. Quando a gente fala de diversidade, estamos falando de como esses talentos vão chegar até a empresa sem esses vieses todos que sabemos existir. Outro ponto é entender que todos viemos de lugares diferentes. Somos 8 bilhões de pessoas, 8 bilhões de diversidades. As pessoas não partiram dos mesmos lugares, com os mesmos referenciais, com as mesmas condições, oportunidades e privilégios.

E como abarcar todas essas diversidades?

Aí a gente junta com a inclusão. Estamos falando sobre como construímos pontes nesses abismos. Por isso, é importante juntar uma outra palavrinha com diversidade e inclusão, que é equidade. Não é igualdade porque somos diferentes por essência. Como a gente traz equidade durante esse processo? Esse é nosso grande desafio.

Pensando em diversidade, no mundo ideal, em que proporção essas minorias precisam estar na empresa?

O ideal é ter a fotografia exata, um raio-x, mas não temos dados aprofundados de vários grupos excluídos, sub-representados em termos quantitativos. No entanto, temos os dados do IBGE e pesquisas.

Considerando esse arcabouço, o ideal seria ter 56% de pessoas negras, 52% de mulheres, um número pelo menos próximo a 10% de pessoas com deficiência, no mínimo 10% de pessoas da sigla LGBTQIAP+.

Quando a gente não faz esse equitativo, começa a dizer "há muito mais pessoas brancas capacitadas, muito mais homens capacitados do que mulheres". O que não é verdade. Prova disso é que na TransEmpregos tem quase 25 mil currículos, e 38,8% deles têm graduação, mestrado e doutorado.

Pessoas cheias de habilidades que não entram no mercado de trabalho não por falta de competência, mas porque são pessoas trans.

E ainda tem o desafio de fazer com que estejam em todos os cargos, inclusive nos de liderança…

Logicamente. Elas teriam de ocupar todos os cargos, mas infelizmente a maioria está na base. A maioria das vagas é de Jovem Aprendiz, estagiário, trainee, chão de fábrica, analistas. E não temos muitos em nível pleno.

Mesmo quando esses grupos são incluídos, pouco se vê em termos de plano de carreira, pessoas ascendendo, chegando em posições de média e alta gestão. Essa dificuldade é muito grande, as pessoas deveriam estar nos conselhos dessas empresas, em todas as partes. E não acontece. Ainda é um desejo, uma luta, não uma realidade.

Em que lugar dessa discussão você acha que o Brasil se encontra?

Víamos muito diversity washing, termo que foi criado pela minha amiga e consultora de diversidade Liliane Rocha, com empresas usando a temática da diversidade e inclusão para fazer marketing. Mas, na prática, os ambientes eram hostis e pouco inclusivos.

Hoje há uma cobrança grande: público interno, clientes e stakeholders exigem um posicionamento se o discurso não é verdadeiro, se não segue o walk the talk (fazer na prática aquilo que prega publicamente). É um amadurecimento, mas o processo ainda é lento.

Exclusivo: Veja a pesquisa Flash sobre Ações de Equidade de Gênero

E ao que se deve essa lentidão, sobretudo no ambiente corporativo?

Esse assunto ainda é tratado muito como voluntariado. Normalmente, os grupos de afinidades das empresas, inclusive as premiadas, são de pessoas voluntárias. Pouquíssimas pessoas são contratadas para a área específica de diversidade de inclusão. E esta área, quando existe, raramente tem orçamento para desenvolver ações. Normalmente são pessoas que trabalham em outras posições e são desses grupos excluídos, minorizados, que acabam cumprindo hora extra sem ganhar por isso.

É quase uma ONG dentro das empresas. Fica muito difícil porque, logicamente, as pessoas se cansam. As metas continuam sendo exigidas, e elas têm a mais o trabalho desses grupos de afinidade.

Fora do Brasil, a gente vê um amadurecimento muito maior. Temos vice-presidências de diversidade, equidade e inclusão, temos metas para que a alta gestão vá atrás de diversidade em diferentes níveis hierárquicos.

Quais tendências que você vê ganhando força atualmente?

Na minha opinião, uma delas é a questão da interseccionalidade. Eu creio que as empresas vão investir mais nesses cruzamentos. Quanto mais interseccionalidades e mais marcadores uma pessoa tem, maiores são as excludentes e mais difícil é o acesso.

Também creio que elas vão seguir o caminho de pensar um pouquinho, pelo menos, em retenção de talentos. Porque 90% das empresas com as quais eu trabalho estão preocupadas com a atração, mas não falam nada sobre retenção de talentos diversos. Esses turnovers continuam muito altos.

Outra tendência é com relação aos benefícios exclusivos para determinados grupos como forma de atração para as empresas. Por fim, há a questão dos stakeholders. Vejo as empresas pensando mais nas conexões que fazem em toda a cadeia de fornecedores. Este é um ano de aumento de consciência.

Para além de seleções direcionadas a candidatos de grupos específicos, de que maneira você acha que o RH das empresas pode fomentar essa diversidade e a inclusão no dia a dia?

De maneira mais ativa, a empresa pode fazer com que as pesquisas de clima organizacional sejam levadas a sério para obter resultados. Além disso, é preciso criar espaços com segurança psicológica, nos quais as pessoas se sintam à vontade, e estimular as lideranças a ter um olhar mais humanizado. Lembrando que não é só o RH. A responsabilidade acaba recaindo sobre os times de recrutamento e seleção, mas deve ser geral.

Quais cuidados é preciso tomar após a contratação de diversidade, para que esses grupos estejam em um ambiente que permita o desenvolvimento do trabalho de alta performance?

O primeiro é fugir do diversity washing, não fazer porque está todo mundo fazendo. Mas, como aponta a última pesquisa da McKinsey, fazer porque é bom para o negócio. Quanto mais diversidade, melhores vão ser as respostas para o seu produto ou serviço, maior o seu alcance. Sem falar que equipes diversas fazem o processo mais humano e solidário, o engajamento é maior e, o turnover, menor. Isso posto, há outras ações importantes.

É preciso ter muito cuidado com o tokenismo [quando a empresa usa grupos sub-representados em ocasiões pontuais para representar o todo]. Sobrecarregar duas ou três pessoas de determinado grupo, fazendo delas uma Wikipédia para letramento gratuito dentro da empresa, é uma atitude ruim. Eu encontro muitas pessoas que falam "não me sinto à vontade para palestrar, mas tenho medo de ser mandada embora se não fizer". É uma situação de opressão que precisa ser observada.

Outra coisa é a estimulação de planos de carreira. É extremamente necessário acompanhar essas pessoas. Muitas delas têm competência, formação, mas estão pela primeira vez no universo corporativo.

Temos empresas com "profissionais-anjo", alguém que tem a paciência de explicar, de conduzir os primeiros passos. Quem ela procura até chegar numa ouvidoria? Por falar em ouvidoria, é fundamental ter espaços de escuta ativa, com ouvidorias sensíveis para tratar casos de assédio e discriminação. Quando a empresa tem esses canais funcionando, o ambiente fica mais saudável, o que deixa as pessoas mais felizes. E pessoas mais felizes produzem melhor.

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