Sete em cada dez brasileiros estão endividados. Entre os inadimplentes, aqueles com débitos em atraso, cerca de 12,7% admitem não conseguir quitar suas dívidas. É o maior índice registrado nos últimos 13 anos, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), de agosto de 2023.
E, se em um primeiro momento, dívidas e trabalho parecem assuntos que não tem a ver um com o outro, dados mostram que é o oposto. Em meio aos boletos acumulados que tiram o sono, profissionais sentem impactos na sua saúde mental e bem-estar e encontram dificuldade de se concentrar nas tarefas do dia a dia.
Prova disso é que, segundo o estudo “The Employer’s Guide to Financial Wellbeing 2018-19”, realizado com cerca de dez mil trabalhadores do Reino Unidos, o estresse financeiro reduz em até 15% a produtividade.
“A educação financeira pode melhorar a qualidade de vida ao reduzir o estresse financeiro e o endividamento. Isso, por sua vez, pode levar a um aumento na produtividade, já que funcionários financeiramente saudáveis tendem a ser mais focados no trabalho”, afirma Reinaldo Domingos, presidente do Grupo DSOP e presidente da Abefin (Associação Brasileira de Educadores Financeiros).
Embora seja urgente tratar da educação financeira nas empresas, o RH enfrenta um enorme desafio ao lidar com essa questão: driblar o constrangimento que muitos colaboradores sentem ao falar sobre o assunto.
Um levantamento da consultoria PwC, por exemplo, mostra que 41% dos trabalhadores reconhecem que os problemas financeiros afetam sua produtividade, mas sentem vergonha de buscar ajuda.
A dúvida que fica é como trabalhar a educação financeira nas organizações sem invadir a privacidade dos colaboradores e de uma maneira que ajude, de fato, a mudar a relação dos profissionais com o dinheiro?
Para responder a essa pergunta, o blog da Flash conversou com especialistas e traz também o exemplo do Grupo Syngenta que trata a saúde financeira dentro da estratégia de bem-estar dos funcionários. Continue lendo este artigo e confira!
Antes de continuar, vamos primeiro entender o que, de fato, significa possuir uma estratégia corporativa de educação financeira. Isso porque estimular a educação financeira dos colaboradores não significa apenas aumentar o conhecimento deles sobre assuntos financeiros.
É um processo que inclui incentivar um gerenciamento eficaz de finanças pessoais, desenvolver habilidades para tomar decisões financeiras mais assertivas e o estímulo a um comportamento financeiro responsável.
“Educação financeira não é matemática, nem tão pouco é aprender a investir. É uma ciência humana, que objetiva a construção de um modelo mental que promove a sustentabilidade, cria hábitos saudáveis e proporciona o equilíbrio entre o ser, o fazer, o ter e o manter”, explica Domingos, da Abefin.
Além de impactar a qualidade de vida dos profissionais e, consequentemente, sua produtividade, investir em educação financeira nas empresas também traz benefícios em termos de cultura organizacional.
A justificativa é simples: funcionários financeiramente saudáveis são mais comprometidos e satisfeitos, o que contribui para um ambiente de trabalho mais positivo e produtivo.
“Além disso, ao investir na educação financeira de seus funcionários, as empresas demonstram preocupação com o bem-estar de sua equipe e a responsabilidade social corporativa. Isso contribui para a sua marca e pode ajudar a atrair talentos”, defende Domingos.
As companhias já perceberam esses benefícios. Na SuperRico, plataforma de educação financeira, o número de clientes corporativos saltou 93% desde 2020.
Hoje, cerca de 44 empresas utilizam a plataforma para oferecer programas de saúde financeira e auxiliar os colaboradores com o endividamento.
O Grupo Syngenta, holding formada pela divisão agrícola das multinacionais do setor químico Chemchina e Sinochem, é uma das empresas que investem na saúde financeira dos colaboradores e trata o tema como um dos pilares do seu Programa Global de Bem-Estar.
Nesse contexto, a gigante do agronegócio incentiva a educação financeira dos colaboradores por meio de ações de conscientização em seus canais internos e redes sociais da Syngenta Previ, fundação responsável por gerir os planos de previdência da companhia.
Fora isso, o tema é abordado por meio do projeto Pra Cultivar, focado em bem-estar financeiro. Criado em 2022, com a ajuda da consultoria Mercer e a SuperRico, o programa conta com uma série de ações, como construção de orçamento doméstico, plano de ação para saldar dívidas, desenvolvimento de iniciativas de poupança, entre outros assuntos.
“Por meio de consultas individuais, o participante do programa também pode entender e desenhar suas iniciativas pessoais como parte do programa”, de Patricia Ferradans, gerente de Previdência Privada LATAM na Syngenta Proteção de Cultivos e diretora superintendente da Syngenta Previ.
Por entender que a saúde financeira gera um impacto social, dentro do programa Pra Cultivar a empresa também realiza ações em comunidades que possuem pouco ou nenhum acesso ao tema. Desde a implantação da iniciativa, duas palestras foram realizadas em instituições da cidade de São Paulo, capacitando mais de 100 pessoas.
A ideia, segundo Patricia, é avaliar os resultados do Pra Cultivar em novembro, quando o programa completa um ano de operação. “Sabemos que a educação financeira é uma jornada que deve ser acompanhada de perto de forma a levar em consideração as necessidades do público atendido”, finaliza a gerente.
Como já abordado ao longo desta matéria, o relacionamento dos colaboradores com o dinheiro impacta questões como produtividade e engajamento. Abaixo, separamos alguns indicadores de RH que podem indicar que o time está passando por dificuldades.
Colaboradores com problemas financeiros faltam, em média, 1,56 dia durante o ano. Essa taxa cai 32% para funcionários com as contas em dia, ou seja, 1,18 dia, segundo dados da FGV de 2009.
“Um colaborador com dívidas, geralmente, sofre de presenteísmo, excesso de faltas ou depressão. A longo prazo, isso pode resultar em uma demissão porque a causa do problema não foi tratada corretamente nem por ele nem pela empresa”, explica Janina Jacino, educadora financeira comportamental.
Outra consequência dos problemas financeiros está relacionada com a taxa de turnover. Além da queda de produtividade, que pode levar à demissão, os colaboradores endividados também se sentem mais atraídos por outras empresas.
Segundo o mesmo estudo da PWC, 76% dos entrevistados afirmaram que trocariam de emprego se a nova empresa demonstrasse mais preocupação com o seu bem-estar financeiro. “O custo desse movimento de entrada e saída de funcionários é alto para as companhias”, lembra Janina.
Ainda de acordo com o “The Employer’s Guide to Financial Wellbeing 2019-2020”, pessoas com a vida financeira desorganizada têm 4,1 vezes mais chance de ter ataques de pânico. Também são 4,6 vezes mais propensas a sofrer de depressão em comparação com os pares com a vida financeira estabilizada.
“A saúde mental pode ser beneficiada, já que o estresse financeiro está ligado a problemas de saúde mental, e a educação financeira pode ajudar a reduzir esse estresse”, diz Domingos.
O RH pode adotar várias ações para melhorar a relação dos funcionários com as finanças, incluindo: